A EXTINÇÃO DOS DINOSSAUROS

Somos o tempo. Somos a famosa parábola de Heráclito, o Obscuro. Somos a água, não o diamante duro, a que se perde, não a remansosa.

Jorge Luis Borges

Alaor Chaves

A descoberta da extinção de espécies

Até finais do século XVIII, não se sabia da existência de animais extintos. Fósseis de animais gigantes eram encontrados com alguma abundância por mineiros e fazendeiros e vendidos a colecionadores ricos que pouco se interessavam pela sua proveniência. Eventualmente alguma dessas curiosidades fósseis era examinada por um estudioso que apontava sua discordância da anatomia de qualquer animal conhecido. O comum nesses casos era julgar que tais restos pertencessem a alguma espécie ainda por ser descoberta. O mundo era grande e ainda havia vastas regiões a serem exploradas. Quando ossos bem preservados de um mamute foram encontrados na Sibéria e trazidos para a Europa, foram classificados como originários de elefante. Como elefantes não habitam a Sibéria, alguém elucubrou serem restos de animais transportados para o norte no dilúvio bíblico e assim ficou estabelecido. Em 1766, Georges-Louis Leclerc, o conde de Buffon, sugeriu que os animais fossem originários de outros do passado, de certo modo antecipando-se a Lamarck, Darwin e Wallace, mas sua sugestão foi ignorada. A ideia de um mundo em contínua transformação pregada por Heráclito, o Obscuro (c. 500 A. C.), que inspirou belos ensaios e poemas de Borges, ainda era estranha ao pensamento ocidental. As espécies de animais e plantas eram vistas como obras imutáveis da Criação. Em 1739, um enorme fêmur, uma presa e vários molares de um mamute foram coletados de uma ossada à margem do rio Ohio, levados para Paris e doados ao museu de Louis XV. Por décadas, os estudiosos se confundiram em diversificadas explicações sobre a origem dessas peças. Especulou-se que a presa e o fêmur eram de enormes elefantes, mas que os molares seriam de outra espécie desconhecida. Em 1762 novas amostras da mesma ossada foram enviadas à Europa, desta vez para Londres. William Hunter, uma figura desconhecida na história da ciência, sugeriu que fossem restos de um animal extinto, que ele denominou incognitum, mas não foi levado a sério, exceto na denominação. Em 1781 Thomas Jefferson meteu-se na discussão. Havia uma constatação humilhante para os americanos: a fauna do Novo Mundo tinha tamanhos modestos comparados aos da fauna do Velho Mundo. Pelo porte modesto e pequena variedade de espécies, a fauna americana era vista como degenerada pelos europeus. Jefferson, um polímata, opinou vitorioso que as peças eram restos de um animal gigantesco, maior do que qualquer outro conhecido, habitante ainda não descoberto da América.

Georges Cuvier (1769 – 1832) foi uma dessas pessoas que já ao aparecer no cenário da ciência revelam sua singularidade. Aristocrata proveniente de uma pequena cidade no interior da França, em 1795 veio para Paris. Conseguiu emprego no Museu Nacional de Paris e logo passou a despender seu tempo examinando ossadas de animais ainda existentes e também as do incognitum, que o novo regime tomara do museu real. Havia também os ossos do suposto elefante trazido da Sibéria. Já em 1796, deu uma palestra na Academia Francesa de Ciências que se tornou um marco na história da paleontologia dos vertebrados. Desde então, dentre outras inovações, o exame dos dentes tem sido empregado intensamente no estudo de fósseis e na diferenciação de espécies. A palestra de Cuvier incluiu em sua análise, além do incognitum, um elefante africano e outro asiático, o suposto elefante da Sibéria e dois outros animais. Um deles, o então chamado animal de Maastricht, por ter sido encontrado em 1764 nesta cidade holandesa. O outro, analisado com base em desenhos, pois Cuvier nunca vira a ossada encontrada em 1788 na Argentina e cuidadosamente montada e instalada no Museu de História Natural de Madrid. Cuvier argumentou que os elefantes africano e asiático sequer pertencem ao mesmo gênero, o que concorda com a taxonomia contemporânea. Terminou concluindo que os outros quatro eram animais já extintos. A ossada argentina seria de uma espécie gigante de preguiça por ele denominada Megatherium, que significa grande besta. Se havia quatro animais extintos – perdidos, na sua linguagem – haveria muitos outros. Antes de nosso tempo teria havido um ou mais mundos que se perderam em decorrência de enormes calamidades. Em um escrito posterior deu ao incognitum o nome de Mastodonte, inspirado nos cúspides em forma de mamilos dos enormes molares, um deles com massa de 2,2 kg, exibidos na Figura 1.

 

Figura 1 – Molares do mastodonte examinado por Cuvier.

Figura 2 – Ossada de uma preguiça gigante da espécie Megatherium amecicanus exposta no Museu de História Natural de Madrid. Esta foi a primeira montagem, feita em 1790, dos restos de um animal extinto.

Nos anos seguintes, o mesmo Cuvier identificou outras espécies de animais que ele opinou estarem extintas. Em 1808, suas espécies extintas já somavam 49, uma cifra impressionante. Logo depois da palestra em Paris, suas ideias rodaram o mundo gerando manchetes e, como sempre, polêmicas. Cuvier, hoje reconhecido como o pai da paleontologia dos vertebrados, enfim descobrira o fenômeno de extinção de espécies de animais. Lamarck, embora nascido 25 anos antes de Cuvier, só pensou na evolução das espécies depois do trabalho deste. Jefferson ainda acreditava que o incognitum habitava as imensidões não exploradas a oeste de Louisiana. Quando já era Presidente e enviou a expedição Lewis e Clark para explorar o continente até a costa do Pacífico, teria mencionado o incognitum dentre suas expectativas.

A quinta extinção

Os dinossauros reinaram belicosamente sobre a Terra por cerca de 130 milhões de anos, até desaparecem subitamente por volta de 66 milhões de anos (Ma) atrás, mas as notícias sobre eles só nos chegaram no início do século XIX, quando seus primeiros fósseis foram solidamente reconhecidos. Desde então, profusões de fósseis de dinossauros foram descobertas em todas as regiões do planeta, com base nos quais os paleontólogos já nominaram cerca de 1000 espécies. A palavra dinossauro significa lagarto terrível, mas eles na verdade eram répteis com andar às vezes bípede. Foram os maiores seres que jamais caminharam sobre a Terra, mas nem todos eram tão grandes. Os maiores já descobertos parecem ter alcançado massa corporal de 90 toneladas, mas há fósseis de dinossauros cuja massa não teria superado a de um coelho.

As 1000 espécies de dinossauros já descobertas compõem uma fração muito pequena das que realmente existiram. Na verdade, os registros fósseis só nos revelam uma fração ínfima de todos os animais extintos. Primeiro, porque tornar-se um fóssil não é nada fácil, principalmente no ambiente terrestre. Consideremos especificamente o caso de animais. Se permanecer exposto, o corpo morto se decomporá muito rapidamente. Assim, para que possa se fossilizar é necessário que o animal seja soterrado não muito tempo depois de morrer. Se você pensa em torna-se um fóssil, talvez deva torcer para ser soterrado vivo. De preferência sob argila úmida e fina o bastante para impedir a penetração de oxigênio, pois este acelera muito a degradação da matéria orgânica. Você vai precisar de milhares de anos para se fossilizar e por isso quase certamente apenas suas partes duras, como ossos e dentes, formarão registros da sua existência. Por processos diversos, na fossilização esses restos duros serão substituídos por minerais. De suas partes orgânicas, que apenas terão servido de molde, nada durará muito e o que restará de você será inteiramente mineral. Presumo que você não pretenda ficar para sempre enterrado, pois nesse caso nunca será uma Lucy. Em alguma época posterior, é necessário que alguma erosão exponha de novo a cópia dos seus restos, e contando com muita sorte ela acabará sendo encontrada por alguém que a reconheça como algo digno de ser investigado.

Uma comparação pode ser útil para se ter uma ideia do quanto os dinossauros estão pouco representados nos fósseis conhecidos. Eles reinaram sobre a Terra por 130 Ma, até que desapareceram subitamente. Depois do seu desaparecimento os mamíferos, que já existiam, mas tinham de ser muito cautelosos nos seus hábitos, deixaram várias espécies sobreviventes que depois de certa apatia evoluíram rapidamente e nos últimos 40 Ma têm sido os novos reis dos continentes. Há cerca de 4.500 espécies de mamíferos terrestres na data atual, e como uma espécie de mamífero vive poucos Ma, certamente há muitas dezenas (talvez centenas) de milhares de espécies de mamíferos extintos. O mesmo, e com mais segurança, se pode dizer sobre os dinossauros.

Bill Bryson1 conta que um bem sucedido editor o instruiu a, se quisesse vender muitos livros, escrever sobre dinossauros ou sobre buracos negros. Este modesto artigo segue muito mal o conselho do mencionado editor, pois ao falar de dinossauros não abordarei a diversificada e fascinante exuberância desses répteis. Falarei sobre por que desapareceram enquanto o leitor típico está muito mais interessado em saber como viveram. Talvez seja um pequeno consolo a informação de que sua extinção não foi completa e que as 10 mil espécies de pássaros contemporâneas evoluíram a partir de espécies aviárias de dinossauros sobreviventes da calamidade.

No processo de evolução biológica, as espécies estão continuamente se extinguindo e dando lugar a outras mais adaptadas à ecologia do momento e do local. Esse processo é chamado extinção de fundo. Como disse o paleontólogo e teórico da evolução Richard Lewontin, as espécies evoluem rumo à extinção. Algumas espécies alcançam capacidade de adaptação singular e podem sobreviver mais de uma dezena de Ma, mas a duração típica de uma espécie animal é de alguns Ma. No caso dos dinossauros, os dados fósseis sugerem uma duração média de 2 Ma. Dado que a vida na Terra teve origem há 3,8 bilhões de anos, em primeira aproximação podemos dizer que todas as espécies que surgiram no planeta estão extintas, o que pode soar desolador, mais ainda se considerarmos que, segundo estimativas, no máximo uma em cada 10 mil espécies extintas deixou registros fósseis. Em 95% dos casos, esses fósseis foram formados em águas marítimas rasas. A extinção de fundo não decorre de nenhum evento singular. As contínuas mudanças do clima e da ecologia são seus causadores, e na ecologia temos de incluir o surgimento de espécies competidoras melhor adaptadas, além de novos predadores. As espécies desaparecem exatamente porque evoluem, o que é impossível sem que haja perdedores. Mas os registros fósseis mostram alguns períodos relativamente curtos em que o número de espécies extintas supera em muito a taxa de extinção de fundo, fenômeno conhecido como extinções em massa. Temos conhecimento de 15 eventos desse tipo e 5 deles se elevam bem acima dos outros. Na Figura 3 podemos ver a extinção de fundo e as cinco grandes extinções conhecidas. Os picos referentes às extinções em massa tendem a ser mais largos do que o que realmente ocorreu pelo fato de que a datação de muitos fósseis pode ser bastante imprecisa dependendo do ambiente em que se deu a fossilização.

 

Figura 3 – Extinção de espécies nos últimos 500 milhões de anos. Sobre uma base referente à extinção de fundo, elevam-se picos correspondentes às extinções de massa. Cinco picos sobressaem, referentes às cinco grandes extinções de massa.

 

A maior extinção em massa conhecida ocorreu há cerca de 230 Ma, na transição Permiano-Triássico e é chamada Grande Morte. Nela, 75% das espécies terrestres e 95% das espécies marítimas foram dizimadas. Após a Grande Morte surgiram os primeiros dinossauros, mas eles só se tornaram abundantes após a extinção do Triássico Tardio, e desde o período Jurássico, há uns 195 Ma, tornaram-se os animais terrestres dominantes. A última grande extinção em massa foi exatamente a que incluiu a morte dos dinossauros. Com eles, desapareceram cerca de 70% das espécies da Terra. Essa extinção foi especialmente abrupta e a melhor estimativa para sua idade é 66 Ma. Pode ser que ela tenha ocorrido num período de anos ou milhares de anos e que a maioria das espécies tenha sido eliminada em meses, mas isso permanece em discussão. Ela ocorreu na chamada transição Cretáceo – Terciário, ou transiçã­o K-T. Dentre os geólogos, o período Terciário da Era Cenozoica vem sendo chamado Paleogêneo e a denominação K-Pg tornou-se comum para a transição. Mas manteremos a denominação ainda mais usada na literatura sobre a extinção que incluiu os dinossauros.

A transição K-T é geologicamente marcada com singular nitidez por uma camada de argila de espessura de poucos centímetros encontrada em todas as regiões do globo. Uma mostra desse extrato de argila pode ser vista na Figura 4, na qual também se vê um canivete para servir de escala.

Figura 4 – Camada de argila que marca a transição K-T.

A referida camada tornou-se conhecida nos anos 70. Walter Alvarez fazia pesquisa de campo em Gubbio, Itália, com a geóloga Isabela Premoli Silva, que também era uma estudiosa dos foraminíferos, um grupo de protistas protegidos por uma concha. Os minúsculos foraminíferos são tão abundantes nos mares desde o Cambriano e tão obstinadamente tendentes a formar fósseis que com frequência são usados para se determinar imediatamente a idade de uma camada sedimentária originária do fundo marítimo: examinando as espécies de foraminíferos pode-se conhecer a idade do extrato. Ao caminharem numa encosta erodida, Silva chamou a atenção de Alvarez para uma formação incomum. Apontou-lhe a referida camada de argila pediu atenção para as camadas adjacentes de calcário sedimentar. A inferior era rica em foraminíferos de diversificadas espécies típicas do final do período Cretáceo. Já na camada de cima, os foraminíferos eram muito mais raros, todos muito pequenos e pouco variáveis na aparência. Aquilo era um signo do início do período Terciário. A transição aparentemente abrupta entre os períodos Cretácio e Terciário pareceu intrigante a Alvarez.

Em 1977, ele trouxe uma amostra da camada de argila para Berkeley, onde acabara de obter uma posição docente, e relatou o problema a seu pai Luis Walter Alvarez (1911 – 1988), também professor da universidade e prêmio Nobel de física em 1968. L. Alvarez era um cientista incomum, um dos mais inspirados físicos experimentais do século XX. Seu campo de pesquisa era física de partículas, mas sua curiosidade era abrangente e inquieta. Em Berkeley, era conhecido como o homem das ideias selvagens. Quando egiptologistas e aventureiros buscavam câmaras secretas nas pirâmides do Egito, nas quais haveria grandes tesouros, Alvarez empregou um detector de partículas que ele mesmo havia inventado para mapear o espectro de energia dos múons, partículas abundantemente geradas pelos raios cósmicos ao penetrar a atmosfera, no contorno da segunda pirâmide de Giza. Construiu com seus dados uma tomografia da pirâmide que demonstrava a inexistência de câmaras secretas. No início dos anos 1980, quando as câmeras CCD alcançaram razoável nível de sofisticação, Alvarez teve a ideia de usá-las na busca de supernovas. Seu método constituía em fazer fotos sequenciais de regiões distintas do céu e compará-las a cada duas semanas, subtraindo digitalmente as imagens. Se algum ponto luminoso restasse após a subtração, ele poderia ser uma supernova. Após sua morte, seu aluno Saul Perlmutter prosseguiu na pesquisa, que levou à descoberta em 1998 da energia escura, que constitui 70% da massa do Universo. O trabalho de Perlmutter se desenvolveu contra a resistência de astrônomos que pareciam considerar o estudo de supernovas tema reservado a eles, os “reais entendedores do assunto”, o que gerou uma intriga desleal narrada em detalhes pelo escritor de ciências Richard Panek2. Perlmutter ganhou o prêmio Nobel de 2011 pela descoberta da energia escura. Mas o prêmio foi dividido com dois astrônomos membros de um grupo que detonou o projeto como inviável e copiou seus métodos seminais quando o mérito da proposta já se tornara evidente.

L. Alvarez decidiu medir o tempo envolvido na sedimentação da camada de argila. Mais uma vez, sua mente inspirou-se no céu, desta vez para desvendar algo ocorrido na Terra. O elemento irídio é muito raro na crosta terrestre, supostamente porque por ser muito denso se deslocou para o interior da Terra quando sua crosta ainda não estava solidificada. Mas na maioria dos asteroides ele é mais de mil vezes mais comum do que na superfície do nosso planeta. Ocorre que a maior parte do material interplanetário que cai na Terra não vem na forma de asteroides macroscópicos, mas de microasteroides com dimensões submilimétricas. Aqueles com dimensões até cerca de 0,2 mm não se liquefazem nem evaporam ao penetrar a atmosfera e se depositam no solo. A cada ano cerca de 30 mil toneladas dessas partículas são sedimentadas na Terra. Alvarez decidiu medir a concentração de irídio na argila da transição K-T para saber em que espaço de tempo ela se acumulara. Havia um método capaz de detectar concentrações de irídio com sensibilidade maior do que 1 parte por bilhão, a análise por ativação por nêutrons. Nesta técnica, a amostra é irradiada por nêutrons no interior de um reator atômico. Ao absorver um ou mais nêutrons, isótopos estáveis dos elementos se tornam radioativos, e ao decair radiativamente cada isótopo também emite raios gama com energia bem definida, o que serve como sua impressão digital. O isótopo 191I (Irídio-191) se inclui entre os que podem ser detectados facilmente por essa técnica. Por sorte, havia na Universidade de Berkeley um especialista na técnica, o químico nuclear Frank Asaro. Alvarez o procurou e pediu que fizesse as medidas. Asaro resistiu, julgando que sua técnica não teria sensibilidade para a medida pretendida. Acabou aceitando se aventurar, mas as medições só começaram nove meses depois. O resultado foi tão surpreendente que Asaro e sua colaboradora Helen Michel duvidaram da sua validade. A concentração de irídio estava várias dezenas de vezes acima do normal em sedimentos comuns. Repetiram o procedimento várias vezes. No decorrer da história, os Alvarez já tinham obtido duas outras amostras da argila, uma da Dinamarca e outra da Nova Zelândia. As medidas se mostraram válidas e o irídio era de 30 a 120 vezes mais abundante do que o esperado, dependendo da origem da amostra. Segundo relato de uma pessoa da época, L. Alvarez reagiu como um tubarão que fareja sangue. Especulou que um meteoro com diâmetro de cerca de 10 km atingira a Terra, o que deflagrara uma série de fenômenos que resultaram na extinção da transição K-T.

Os três elaboraram seus achados e conclusões em um artigo publicado na revista Science3. Lembro-me de ter recebido uma cópia do artigo de Robert Blinc, um físico esloveno com quem colaborava naquele tempo. Sua leitura provocou-me a rara emoção de quem tem em mãos um artigo recente que provavelmente irá mudar a história de um tópico importante da ciência. Descreveremos a catástrofe não nos termos do artigo, mas com base em diversas simulações computacionais feitas desde então e nas inferências baseadas nelas.

O meteoro se aproxima da Terra com a velocidade típica de uns 70 mil quilômetros por hora, quase 60 vezes a velocidade do som. Quando um projétil pequeno e lento trafega no ar, ele abre pacificamente caminho para sua passagem deslocando lateralmente o ar à sua frente. Mas no caso de um projétil com velocidade supersônica, o movimento do ar é bem distinto e também dependente do tamanho do projétil. Ao entrar na atmosfera, o suposto meteoro move o ar para frente, num processo de compressão. Na compressão o ar se aquece, como se observa quando usamos uma bomba para encher um pneu de bicicleta. No caso do meteoro fatal, no final da queda o ar estaria pelo menos dez vezes mais quente do que a superfície do Sol, que tem temperatura de 6 mil graus kelvin. O local do impacto estava coberto de água rasa, de 100 metros de profundidade, um centésimo do diâmetro do asteroide. Isso não é nada, é como se você saltasse de um trampolim numa piscina com 2 cm de água. No choque com o fundo da água, a primeira camada de rocha é vaporizada e as camadas mais profundas sofrem níveis variados de alteração, que vão da fusão a níveis de compressão capazes de modificar a estrutura cristalina da rocha. A cratera formada terá umas vinte vezes o diâmetro do meteoro e profundidade de muitos quilômetros, ambos dependentes do ângulo da colisão. O impacto gerará rapidamente fenômenos extremos de escala global. Uma luz de intensidade jamais vista por um ser vivo será gerada no período de 1 segundo que separa a entrada na atmosfera e o impacto no solo. Após o impacto, uma quantidade colossal de poeira e de gás muito quentes é gerada e arrastada por ondas de choque com velocidade muito acima da do som e pressão capaz de demolir e qualquer coisa que fique no seu caminho, exceto montanhas. No final do primeiro minuto, tudo num raio de 2 mil quilômetros já estará destruído e incinerado. Nenhum ser restará vivo, exceto os que estiverem bem protegidos no interior do solo. Terremotos e vulcões serão gerados em todo o globo, além de tsunamis devastadores. Na verdade, estes são relativamente brandos, pois a rasura da água também limita a altura das ondas a 100 m. Fosse o impacto em mar profundo, elas atingiriam altura de 500 metros. No final do primeiro dia, boa parte dos animais terrestres de porte superior ao de um gato estará morta e os sobreviventes talvez preferissem ter morrido. A poeira gerada pelo impacto, pelos incêndios e pelos vulcões terá coberto toda a Terra, bloqueando mais de 90% da luz solar. É difícil saber por quanto tempo a escuridão terá perdurado, podendo ser de vários meses a anos, e nesse tempo a fotossíntese das plantas terrestres e das algas marinhas terá cessado quase inteiramente. O vapor de rochas sulfurosas gerado pelo impacto e pelos vulcões causou chuvas de acidez suficiente para queimar a pele, o que matou parte dos animais sobreviventes e quase todas as plantas terrestres. A maior parte dos animais restantes morreu de fome sem chegar a ver o final da longa noite. Sobreviveram alguns carniceiros e outros comedores de resíduos orgânicos. Também nos mares e lagos o dano sobre a biota teria sido colossal. Na verdade, ainda mais colossal, devido à maior homogeneidade do ambiente. As águas mais superficiais se tornaram excessivamente ácidas e mataram as algas e plânctons, e só sobreviveram as espécies vegetais e animais capazes de viver em águas mais profundas. Por alguns anos, a temperatura do planeta terá caído pelo menos uma dezena de graus, o que gerou stress adicional nas coisas sobreviventes e em consequência mais mortes.

A letalidade de um evento de grande extinção na verdade é bem maior do que a sugerida pela fração das espécies extintas. Considere por exemplo o caso da espécie humana, com sua população atual de mais de sete bilhões de espécimes. Uma catástrofe que poupasse da morte um milionésimo dos seres humanos, deixando vivos cerca de sete mil pessoas, dificilmente extinguiria a nossa espécie, exceto no caso de os sobreviventes ficarem tão dispersos que o contato mútuo fosse muito improvável. Esse tipo de consideração se aplica a qualquer espécie. Extinguir uma espécie requer índices muito extremos de letalidade. Quase certamente, o evento que causou a transição K-T poupou uma fração ínfima das populações das espécies que sobreviveram e deram continuidade à vida no nosso planeta.

O artigo dos Alvarez e colaboradores, cuja proposta tornou-se conhecida como hipótese de Alvarez, foi muito mal recebido pelos paleontólogos. Em parte, a má recepção exibe um aspecto da sociologia da ciência, dividida em áreas de especialização defendidas corporativamente pelos clubes de cada área. A escritora científica Elizabeth Kolbert relatou várias manifestações agressivas feitas por paleontólogos da época4. Um deles declarou ao New York Times: “A aparente extinção em massa é um artefato de estatística e má compreensão de taxonomia.” Outro foi mais áspero ao arbitrar: “A arrogância dessa gente é inacreditável. Não conhecem nada sobre como animais reais evoluem, vivem e se extinguem. Mas apesar da sua ignorância, os geoquímicos acham que tudo que você deve fazer é fantasiar alguma máquina apelativa e assim terá revolucionado a ciência.” George Gaylord Simpsom, talvez o mais influente paleontólogo da época, escreveu que a transição ao final do Cretáceo teria sido um longo e essencialmente contínuo processo.” Outro paleontólogo foi sumário e conclusivo: “A hipótese de Alvarez é uma tolice.” Luis Alvarez reagiu com manifestações que só contribuíram para agravar a arenga. Numa delas, proclamou: “Fomos apanhados praticando paleontologia sem carteira de habilitação.” Em um artigo no New York Times, ele foi incrivelmente grosseiro e afirmou que os paleontólogos “não são bons cientistas, mais parecem colecionadores de selos”.

Os físicos talvez mereçam o nada honroso troféu de campeões de desdém e ofensas a outras áreas da ciência. Ernest Rutherford, segundo a Britannica o maior físico experimental desde Michael Faraday, é o pai da física nuclear. Dentre as suas primeiras descobertas está a da transmutação dos elementos por meio dos processos radioativos, o que lhe rendeu o prêmio Nobel de química em 1908. Já premiado, ele afirmou que “ciência é física, o resto é coleção de selos”, ofensa que parece ter inspirado Alvarez. Linus Pauling é outro exemplo de indelicadeza. Considerava-se físico, área na qual fizera pós-doutorado com expoentes como Arnold Sommerfeld, Niels Bohr e Erwin Schrödinger, após graduação em engenharia de processos e doutorado em cristalografia, e usou a recém-criada mecânica quântica na elucidação das ligações químicas, com o que conquistou o prêmio Nobel de química em 1954. Sua reação foi a mais desastrada possível. Segundo ele, a sua transformação de físico para químico teria sido a mais repentina dentre as de seu conhecimento. Dedicou o final da vida à pesquisa em bioquímica e biologia entremeadas de encrencas com biólogos e médicos. Como viveu 93 anos, jactou-se no final da vida de ter enterrado seus principais opositores por ter praticado na vida pessoal os seus polêmicos métodos de medicina ortomolecular.

A hipótese de Alvarez levantava um problema imediato, o de encontrar as marcas que o impacto teria deixado em algum lugar da Terra. Elas foram encontradas em 1990. Nas bordas da península de Yucatan, no México, em 1952 a Pemex descobrira a cratera de Chicxulub, com 180 km de diâmetro e 20 km de profundidade, e lhe atribuíra origem vulcânica. O reexame da cratera mostrou que ela se originara do impacto de um corpo celeste, um meteoro ou cometa. A principal evidência disso era a existência em seu fundo de fragmentos de quartzo de impacto. Essa é uma forma de quartzo gerada quando o cristal é submetido a pressões extremas e aquecimento insuficiente para causar a fusão. É observada em outras crateras geradas por impacto e também em locais onde foram feitos testes de armas nucleares. Essas condições incomuns alteram a estrutura cristalina do quartzo e nele aparecem planos que podem ser vistos ao microscópio, como se vê na figura 5. A datação da cratera mostrou que sua formação coincide com a da transição K-T.

Figura 5 – Imagem microscópica com luz polarizada de um fragmento de quartzo de impacto.

Além do quartzo de impacto, na cratera e também em cerca de 30 camadas da argila foram encontradas partículas de vidro preto chamadas esférulas de vidro, embora sua forma só às vezes seja esférica. A solidificação da maioria dos líquidos não orgânicos gera estruturas cristalinas nas quais os átomos se agregam em um arranjo periódico. Mas se o líquido for resfriado e solidificado rapidamente, essa organização periódica pode não ser alcançada e a estrutura atômica ficará desordenada (amorfa). Em materiais inorgânicos, em geral tem-se um vidro. Materiais muito ricos em sílica são especialmente propensos a formar vidros. Como a sílica (SiO2) é composta de oxigênio e silício, os dois elementos mais abundantes da crosta terrestre, ela é encontrada em grande quantidade em quase todo lugar. A areia da praia que você frequenta é feita de sílica. A argila da transição K-T contém vidros ricos em sílica.

Como apontou Kolbert4, a reação dos paleontólogos à hipótese de Alvarez decorre em parte de um paradigma que dominou a geologia desde Charles Lyell (1797 – 1875), o maior geólogo do seu tempo. Sua obra Princípios de Geologia, publicada em três volumes maçudos, teve um sucesso fora do comum. Quando o jovem Darwin (1809 – 1882) partiu a bordo do barco HMS Beagle para a célebre excursão que acabou durando cinco anos, levou consigo uma cópia do livro, que lia dedicadamente. O paradigma de Lyell, conhecido como uniformitarianismo, estabelece que as transformações da crosta terrestre seguem um processo contínuo e lento, sem rupturas. Darwin adotou o paradigma em sua visão da evolução da vida e o incorporou ao Origem das Espécies. Segundo a visão que se tornou consensual, devemos buscar a compreensão do passado da Terra e da vida pelo que observamos no presente. A hipótese de que alguma catástrofe pudesse mudar subitamente a biota terrestre contrariava o paradigma e era por isso inaceitável.

Durante a década de 1980, simulações computacionais deram mais credibilidade à hipótese de Alvarez e no meio dos paleontólogos ela já estava sendo aceita. Luis Alvarez, que morrera em 1988, nada pôde saber de Chicxulub. A energia liberada pelo impacto foi estimada em 100 milhões de megatons de TNT, algo verdadeiramente descomunal. Imagine que toda ela fosse distribuída em bombas iguais à que destruiu Hiroshima liberando a energia de 16 kilotons de TNT. Poderíamos dar uma bomba para cada habitante adulto do globo e ainda sobraria muita bomba para distribuição às crianças mais ajuizadas.

Na época da transição K-T, a Terra foi palco de outras grandes turbulências, além do impacto em Chicxulub. A mais grave delas foi um período de intenso vulcanismo que perdurou de 68 a 65 Ma atrás e formou camadas múltiplas de basalto no Planalto de Deccan, no centro-oeste da Índia. A estrutura basáltica tem 2 km de profundidade e 500 mil km2 de área. Por causa­ da sua estrutura estratificada em camadas, a erosão gerou escadas nos locais de grande declive, o que resultou no muito impróprio nome de Armadilhas de Deccan à formação. O nome vem da palavra trapp, que significa escada em Sueco e virou trap (armadilha) em Inglês. Acredita-se que dois terços do basalto tenha sido produzido em um curto período por volta de 66 Ma. Como já foi dito, o irídio é mais de mil vezes menos abundante na crosta terrestre do que nos meteoros e cometas, feitos da mesma matéria que formou o nosso planeta, porque migrou quase todo para o interior da Terra no seu período de formação. Mas as erupções vulcânicas são relativamente ricas nesses elementos. Por isso, a alta concentração e irídio na argila da transição K-T não compõe prova sólida de que ela tenha sido formada pelo impacto. Durante a década de 1980, muitos defendiam a tese de que o vulcanismo de Deccan teria não só causado a extinção em massa como também criado a argila. Uma grave perturbação ambiental em período prolongado era vista talvez pela maioria dos biólogos como mais severa para a permanência de seres vivos do que o impacto em Chicxulub, cujos efeitos, embora extremos, não durariam mais do que alguns anos.

Mas a balança novamente pendeu para a hipótese de Alvarez por causa de outras evidências. Dentre elas, estão os achados de quartzo de impacto e esférulas de vidro em várias argilas da transição K-T e a descoberta de que as concentrações dos isótopos do elemento cromo na argila são bem distintas das encontradas na crosta terrestre e nas rochas vulcânicas, mas iguais às dos meteoritos ricos em condrito carbonáceo3. Tudo bem, a argila é originária do impacto. Mas a extinção pode ter decorrido da ação conjunta do impacto e da enorme atividade vulcânica e este passou a ser o pensamento dominante dentre os biólogos e paleontólogos, que conhecem o quanto é difícil extinguir tantas espécies sem a ação de um distúrbio duradouro. Foram encontradas duas outras crateras de impacto cuja datação leva, dentro da margem de erro, à mesma idade da cratera de Chicxulub: a cratera de Boltysh, de 24 km de diâmetro, na Ucrânia, e de Silverpit, no mar do Norte, com diâmetro de 20 km. No Oceânico Índico, próximo à costa oeste da Índia, foi descoberta uma estrutura gigante a que seu descobridor Sankar Chatterjee4 deu o nome de cratera Shiva, com dimensões de 600 X 400 km, cuja data de origem coincidiria com a da transição K-T. A estrutura teria sido desfigurada por uma expansão do fundo do oceano, mas seria originária do impacto de um asteroide ou cometa com diâmetro de 40 km. Mas os geólogos acabaram não concordando que Shiva fosse uma cratera de impacto. Outras crateras de impacto podem ainda aparecer e mais outras ter desaparecido por causa do deslocamento dos continentes. A coincidência das datas é sugestiva de que os impactos reconhecidos talvez sejam originários de um corpo celeste (meteoro ou cometa carbonáceos) fragmentado.

O primeiro evento observado diretamente de colisão de um corpo celeste de maior porte com um planeta ocorreu em 1994. Foi a colisão com Júpiter do cometa Schoemaker-Levy 9, que orbitava o planeta por mais de 20 anos e estava fragmentado, possivelmente por efeitos de maré causados pela gravidade de Júpiter. Os fragmentos maiores tinham 2 km de diâmetro, o que significa volume cem vezes menor do que o corpo que causou o impacto de Chicxulub. A comunidade de astrônomos aguardava o antevisto impacto com interesse e divergências sobre a intensidade dos distúrbios sobre o planeta. Muitos duvidavam que o impacto pudesse ser visto dos observatórios terrestres e um deles chegou a afirmar que Júpiter engoliria aqueles fragmentos sem sequer soltar um arroto. Observatórios terrestres e espaciais ficaram a postos. O resultado foi surpreendente para quase todos. Os fragmentos maiores aqueceram a atmosfera no local de impacto a temperaturas de mais de 20 mil graus kelvin. Cicatrizes do tamanho da Terra foram vistas durante muitos meses como manchas bem visíveis, exibidas na Figura 6. A extrapolação desses fatos para o caso de um meteoro com volume cem vezes maior chocando-se contra um planeta muito menor, sólido e cheio de coisas incineráveis leva a prognósticos realmente aterradores.

Figura 6 – Cicatrizes deixadas em Júpiter pelos fragmentos do cometa Schoemaker-Levy 9.

Mas faltavam evidências conclusivas de que o impacto seria o causador da extinção do período K-T. Dentre os críticos da hipótese de Alvarez, a mais ativa e eminente tem sido Gerta Keller, geocientista e paleontóloga da Universidade de Princeton. Keller tem uma biografia pouco típica de um cientista. Nasceu em 1945 de uma família rural pobre na Suíça. Aos dezessete anos deixou a escola e foi trabalhar como modelo para Pierre Cardin, trabalho que a fazia correr o mundo. Na Austrália, levou um tiro e chegou a ser desenganada. Aos 25 anos, ingressou na Universidade Estadual de São Francisco, onde se graduou em geociências e antropologia. Completou doutorado em Geociências e Paleontologia em Stanford em 1978. Em 1984, ingressou na Universidade de Princeton. Já ano de ingresso em Princeton, começou a trabalhar na extinção da transição K-T e a partir de 1993 passou a criticar a hipótese de Alvarez. Seus argumentos baseiam-se tanto em cronologia quanto numa suposta insuficiência do impacto como causador da extinção. Em dezenas de artigos feitos com colaboradores diversos, Keller tem sustentado que o impacto antecedeu a extinção por um tempo cuja duração depende do artigo, e varia de 120 a 300 mil anos. Sobre o efeito do impacto nos dinossauros, Keller comentou com desdém: “Estou certa de que no dia seguinte eles tiveram uma dor de cabeça.” Tem sustentado até o presente que a extinção foi causada principalmente pelo vulcanismo de Deccan, embora as circunstâncias tenham sido agravadas pelos múltiplos impactos.

Mas a ideia de que o impacto de Chicxulub tenha o sido o principal causador da extinção foi tornando-se um quase consenso. Em 2010, o conjunto das evidências foi revisto por um painel de 41 experts convidados na 41st Lunar and Planetary Science Conference (LPSC). Ao final, proclamou-se que a hipótese de Alvarez poderia ser considerada consensual na comunidade estudiosa da extinção K-T.

Mais recentemente, um importante avanço foi obtido na compreensão do problema pelo trabalho liderado por Paul R. Renne, diretor do Centro de Geocronologia de Berkeley. O principal método de datação de rochas e cinzas vulcânicas emprega radioatividade do argônio-40 (40Ar) gerado por decaimento radioativo do potássio-40 (40K). Potássio, elemento abundante na Terra, é parte da larva gerada pelos vulcões. Quando a larva ainda é líquida, o argônio antes acumulado por decaimento radioativo do potássio é eliminado, pois sendo o argônio um gás nobre não faz ligação química com qualquer outro elemento e só pode ser retido na superfície da Terra em rochas, aprisionado como impureza. Quando a larva se solidifica, o 40Ar começa novamente a ser acumulado e o tempo após a solidificação pode ser medido pela relação entre as concentrações na rocha entre os isótopos 40Ar e 40K. Esse é o método Ar-K de datação, praticado há décadas. Mas descobriu-se que melhor precisão poderia ser obtida pela irradiação da amostra com nêutrons, o que transforma o isótopo estável 39K em 39Ar, que é radioativo, e por um conjunto de medições que inclui a relação entre as concentrações de 39Ar e 40Ar. Este é o método 40Ar/39Ar de datação7. Renne desenvolveu o método até atingir níveis inéditos de precisão, e após um tour de force fez datações muito precisas do impacto e da extinção. Os dois eventos coincidem, com separação máxima de 32 mil anos, o que corresponde à barra combinada de erro das medidas. Ambos ocorreram há 66,040 Ma. Os resultados foram publicados em fevereiro de 2013 na Science8. Em entrevista, Renne apontou que embora o impacto tenha sido o golpe final e fatal na nossa biota, a extinção pode ter sido facilitada pelo stress prévio causado pelo intenso vulcanismo. Acrescentou que medições precisas das várias camadas de basalto das armadilhas de Deccan devem levar a uma melhor compreensão do ocorrido.

A sexta extinção

O final da última era glacial estabelece a transição entre as épocas geológicas Pleistoceno e Holoceno, ocorrida 11,7 mil anos atrás. O aquecimento da Terra também deflagrou a revolução neolítica, em que a humanidade aumentou rapidamente sua população e começou a espalhar-se ao largo do globo. Coincidentemente, ao mesmo tempo agravou-se a chamada extinção da megafauna, na qual muitos animais de grande porte foram extintos. Reconhece-se que tanto a mudança climática quanto a ação do homem foram importantes nessa extinção, embora não se conheça a importância relativa de cada um dos fatores. Durante o Holoceno vem ocorrendo, aparentemente com velocidade crescente, a chamada extinção do Holoceno, também chamada Sexta Extinção. Nesta, a ação específica do homem é claramente distinguida, às vezes de forma dramática, em ilhas ocupadas pelo homem na era histórica. Um exemplo emblemático dessa ação é a extinção dos moas, pássaros não voadores que ocupavam de forma endêmica a Nova Zelândia. Havia nove espécies desses pássaros, cujo peso variava de 20 a 250 kg e cujo único predador era a águia de haast. Na Figura 6 vemos uma bela pintura de uma dessas águias assaltando dois moas, feita por John Megahan.

Figura 6 – Águia de haast atacando duas moas.

Por volta de 1280, polinésios alcançaram a Nova Zelândia em viagens de canoa de vela, nas quais navegavam com maestria. Na ilha, acabaram desenvolvendo a cultura Maori. Bastaram 120 anos para que os recém-chegados dizimassem os moas, e com a extinção deles matassem de fome as águias. Além dos moas e das águias gigantes, os maoris extinguiram 1500 espécies na Nova Zelândia. Grandes extinções ocorreram também em outras ilhas ocupadas pelo homem na era cristã, tais como Madagascar, Havaí e ilhas Maurício.

A arte de navegação dos polinésios os levou ainda mais longe, à ilha de Páscoa, 2.000 km ao leste, um local longe de tudo. Quando chegaram, por volta do ano 900, a ilha era coberta de floresta tropical povoada por várias espécies de pássaros. Em 1722, quando a ilha foi descoberta pelo primeiro colonizador europeu, ela era quase desértica. A planta maior do local era um arbusto com 2-3 metros de altura. Todas as árvores e todas as aves haviam se extinguido. Jared Diamond pergunta-se com intrigada indignação o que teria sentido a pessoa que derrubou a última árvore da ilha9.

A sexta extinção atinge as mais variadas famílias e ordens de animais e plantas e tem sido causada principalmente pela ação do homem sobre a natureza. Apesar de advertências bem anteriores, maior consciência do problema passou a crescer nos anos 1990. Em 1995, Stuart Pimn e colaboradores estimaram que a taxa de extinção de espécies no presente está de 100 a 1000 vezes mais elevada do que no período pré-humano10. Essas estimativas foram confirmadas em uma revisão abrangente de dados publicada recentemente por Pimn e outros colaboradores11. Entre outros dados, esta revisão aponta que das 9927 espécies de pássaros hoje existentes, 1308 estão sob alto risco de extinção. Vários livros de cientistas destinados ao grande público expõem com clareza a gravidade do problema, dos quais podemos destacar um de Richard Leakey e Roger Lewin12, e outro de Edward Wilson13. Wilson, talvez o mais célebre naturalista do nosso tempo, estima que seguindo o presente ritmo de extinção metade das espécies estarão extintas até 2100. Como a taxa de extinção tem crescido, a perda de biodiversidade que estamos presenciando poderá ser ainda mais grave.

Bem recentemente, a escritora de ciências Elizabeth Kolbert4 publicou The Sixth Extinction: an Unnatural History, baseado em vasta leitura e entrevistas com uma enorme quantidade de expecialistas no assunto. Kolbert afirma que a extinção de anfíbios pode estar ocorrendo a uma taxa 45 mil vezes mais alta do que a da sua extinção de fundo. Escreve ainda: “Estima-se que um terço um terço dos corais formadores de recifes, um terço dos moluscos de água doce, um terço dos tubarões e raias, um quarto dos mamíferos, um quinto dos répteis e um sexto de todos os pássaros caminham para a aniquilação”. O livro de Kolbert tem despertado inusitado e crescente interesse. Para alguns, ele pode ter repercussão semelhante ao de Silente Spring, o explosivo best seller publicado por Rachel Carson em 1962, que ajudou a deflagrar o movimento ambientalista e levou ao banimento do BHC, na época o inseticida mais usado em todo o mundo.

A ideia de que estejamos no início de uma extinção em massa similar às que ocorreram no passado não é consensual entre os biólogos. Em outro artigo pretendemos abordar em mais detalhe a polêmica sobre a suposta Sexta Extinção.

Referências

1 – Bill Bryson. Breve história de quase tudo. Companhia das Letras (2003).

2 – Richard Panek. The 4% Universe. Houghton Mifflin Harcourt (2011).

3 – L. W. Alvarez, L. W, Alvarez, W, F. Asaro and H. V. Michel. Extraterrestrial cause for the Cretaceous–Tertiary extinction. Science 208, 1095–1108 (1980)

4 – Elizabeth Kolbert. The Sixth Extinction.Henry Holt and Companhy (2014.

5 – A. Shukolyobov and G. W. Lugmair. Isotopic evidence for the Cretacious-Tertiaty impactor and its type. Science 298, 927-929 (1998).

6 – Sankar Chatterjee. Multiple impacts at the KT boundary and the death of the dinossaurs. Proc. 30th Intern. Geol. Congr., 26, 31-54 (1997).

7 – Os métodos de datação 40K/40Ar e 40Ar/39Ar são explicados em Mike Wlker, Quaternary Dating Methods. John Wiley & Sons (2005)

8 – Paul R. Renne, Alan L. Deino, Frederik J. Hilgen, Klaudia F. Kuiper, Darren F. Mark, William S. Michel III, Leah E. Morgan, Roland Mundil and Jan Smit. Time Scales of Critical Events Around the Cretaceous-Paleogene Boundary. Science 339, 684-687 (2013).

9 – Jared Daimond. Colapso. Record (2005)

10 – S.L. Pimn, G.J. Russell, J.L. Gittleman and T.M. Brooks, The Future of Biodiversity, Science 269: 347–350 (1995).

11 – S. L. Pimn, C. N. Jenkins, R. Abell, T. M. Brooks, J. L. Gittleman, L. N. Jopa, P. H. Raven, C. M. Roberts, J. O. Sexton. The biodiversity of species and their rate of extinction, distribution and protection. Science 344, 984-987 (2014).

12 – Richard Leakey, Roger Levin. The Sixth Extinction: Patterns of Life and the Future of Humankind. Anchor Books (1996).

13 – Edward O. Wilson. The Future of Life. Vintage Books (2002).

Alaor Chaves Written by:

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