O SUCESSO EVOLUTIVO DAS ÁRVORES FLORESCENTES

ECOSSISTEMAS E EXPLORAÇÃO DAS SUAS OPORTUNIDADES

 

As coníferas surgiram na Terra há uns 300 milhões de anos e por muito tempo dominaram o cenário terrestre. Mas nunca atingiram grande diversidade. Existem no presente 630 espécies, que são dominantes apenas nas regiões muito frias do planeta. Sempre foram e continuam sendo o grupo dominante das gimnospermas, plantas que produzem sementes, mas não flores que se tornam frutos, e apoiam-se unicamente no vento para a produção das suas sementes. Já as angiospermas, que produzem flores e frutos, apesar de terem surgido muito depois, há cerca de 135 milhões de anos, são as plantas mais bem sucedidas da Terra, contando hoje com cerca de 250 mil espécies. Já Darwin admirava-se da extraordinária diversidade das plantas florescentes e considerava a origem e evolução das flores um “abominável mistério”. Ainda hoje, a origem das flores é misteriosa para os biólogos evolucionistas, mas a razão do seu sucesso evolutivo parece bem mais clara. A diferença entre as duas histórias evolutivas decorreu das diversificadas formas de produção e dispersão de sementes adotadas pelas angiospermas, ou plantas florescentes, como são comumente chamadas.

A aptidão darwiniana de uma espécie, que se mede pela sua capacidade de gerar descendentes em abundância, depende do ecossistema em que a espécie está inserida e da forma como a espécie explora as oportunidades oferecidas pelo ecossistema. Os períodos Triássico e Cretáceo, dominados pelos dinossauros, geraram ecologias relativamente simples e pouco propícias à evolução das plantas florescentes. Mas a extinção em massa que ocorreu no final do Cretáceo há 66 milhões de anos e aniquilou todos os dinossauros, exceto os dinossauros plumados – que deram origem às aves – criou condições para o a evolução e diversificação de outros grupos de animais e plantas.

Segundo a teoria mais aceita, tal extinção ocorreu devido à colisão de um enorme meteoro na península de Yucatan, no México. Além da calamidade causada pelo impacto, que em questão de horas dizimou uma quantidade colossal de animais, a colisão também gerou uma enorme massa de poeira e de fuligem resultante dos incêndios, que bloqueou por alguns anos a luz solar, gerando frio muito intenso. O frio completou a mortandade tanto diretamente quanto pela falta de alimento, pois sem luz solar as plantas cessaram seu processo de fotossíntese. O impacto do meteoro coincidiu com a ocorrência de intenso vulcanismo, em parte causado pelo próprio impacto, o que intensificou a extinção. Metade das espécies do planeta desapareceu. Dentre os animais superiores de habitat terrestre, restaram alguns mamíferos, que haviam surgido antes, mas não conseguiam prosperar por causa da predação dos dinossauros. Os mamíferos de então eram pequenos e costumavam ter vida subterrânea para proteger-se dos dinossauros. Essa humilde condição acabou também lhes propiciando proteção contra o longo inverno, pois suas locas eram menos frias e seu principal alimento eram raízes. A extinção do Cretáceo abriu oportunidade para a rápida evolução dos pássaros, dos mamíferos e das flores e frutos. A nova ecologia gerou vários processos de coevolução, ou seja, evolução simultânea de espécies que se beneficiam mutuamente da existência das outras. Insetos e pássaros se beneficiaram da existência de flores, que passaram a produzir néctar para alimentá-los, as flores puderam ser polinizadas por insetos e pássaros, além da antiga polinização pelo vento, os frutos e sementes alimentaram pássaros e animais, que em troca dispersavam as sementes. Em resumo, uma troca intrincada de benefícios. Cada espécie buscou adaptar-se à nova ecologia, cheia de oportunidades. O período Terciário, que sucedeu à grande extinção, foi um período de rápido avanço na evolução as espécies.

 

AS FLORES

 

As plantas florescentes têm reprodução sexuada, ou seja, os gametas masculinos e femininos são produzidos em órgãos separados e posteriormente se unem para a produção de um embrião. A flor, cuja morfologia é mostrada esquematicamente na figura 1, é uma combinação dessas estruturas e ainda outras importantes no processo de reprodução. A morfologia da flor varia enormemente entre as espécies, mas no caso das flores de evolução mais recente apresenta o plano comum ilustrado esquematicamente na figura. Como a flor é um elemento-chave no sucesso das angiospermas, é interessante descrever sumariamente as suas funções.

 

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Fig.1 – Estrutura esquemática de uma flor plenamente evoluída. Fonte: Wikipedia

 

O perfume das flores é produzido por estruturas granulares situadas nas pétalas. Os gametas masculinos ficam no interior de grãos minúsculos chamados pólen, produzidos na antera. O pólen é o espermatozoide da flor. Os gametas femininos – os óvulos – são gerados e guardados no interior do ovário. Para que os óvulos sejam fecundados e gerem um embrião, futura semente, é necessário que haja a polinização, ou seja, o transporte do pólen para o estigma, de onde ele migra para o ovário. Para viabilizar a polinização, as fores lançam mão de esquemas diversificados descritos a seguir.

A maioria das flores é polinizada principalmente por animais – insetos, besouros, pássaros, morcegos – e muitas flores se especializaram na polinização por um deles. Mas o vento e mesmo a chuva têm uma contribuição na polinização de todas as flores. Para atrair os animais, as flores lançam mão de diversos artifícios, tais como pétalas coloridas (os insetos e pássaros de hábito diurno têm boa visão das cores), perfumes para atração via olfato, e néctar para alimentar o animal polinizador. Nos últimos 50 milhões de anos, as abelhas, que surgiram há mais de 100 milhões de anos, tiveram grande sucesso evolutivo, em parte pela organização social em colônias, em parte pela coincidente evolução das flores. Há mais de 20 mil espécies de abelhas e elas são de longe o principal animal polinizador. Muitas flores se adaptaram para facilitar a polinização pelas abelhas e as abelhas se adaptaram para extrair o néctar das flores. Este é um exemplo clássico de coevolução.

As abelhas conseguem ver o ultravioleta próximo, e as flores de abelhas às vezes incluem na sua coloração o ultravioleta, invisível para nós. Por outro lado, as abelhas não reconhecem o vermelho como uma cor distinta e por isso as flores de abelhas fazem pouco uso da cor vermelha. Na figura 2, vemos uma paineira rosa, árvore magnífica polinizada principalmente por abelhas. A coloração das flores nessa espécie varia de árvore para árvore, indo do rosa pálido ao rosa escuro. Variações da tonalidade da cor, de árvore para árvore da mesma espécie, são comuns. São vistas, por exemplo, em todas as espécies de ipês, na quaresmeira e no flamboyant.

Muitas flores mudam de cor ao longo da sua vida. Dentre as plantas ornamentais, isso ocorre em várias delas, por exemplo, no cambará, na pata-de-vaca e nos manacás. Essa mudança é muito apreciada pelos jardineiros e paisagistas, pois na mesma árvore vemos flores de várias cores. Já para a planta, tem um valor adaptativo, pois as cores distintas sinalizam onde há mais néctar e onde há mais pólen, o que auxilia o trabalho dos insetos polinizadores. Para as abelhas, essa sinalização é útil, pois elas se alimentam de néctar, mas levam pólen para alimentar suas larvas.

 

Fig. 2 – Paineira rosa, uma árvore magnífica polinizada por abelhas. Fonte: www.asplantasmedicinais.com

Nem todas as flores produzem aromas agradáveis a nós. Algumas se especializaram na polinização por moscas e nesse caso exalam cheiro de carne podre, apreciado pelas moscas. São menos visíveis exatamente porque ninguém as cultiva.

Muitas flores se adaptaram para polinização por mariposas, abundantes insetos noturnos, enfatizando ao extremo o seu perfume. Pertencem a esse grupo todos os jasmins, a murta, a cica, várias espécies de cactos etc. Como a visão de cores requer iluminação mais intensa, essas flores são quase sempre brancas ou muito pálidas, o que também as torna mais visíveis no escuro. Mas o grande trunfo dessas flores é o extraordinário perfume. Os jasmins são a principal fonte de aroma da indústria de perfumaria. Um dos jasmins, a dama-da-noite, tem perfume tão intenso que não deve ser plantado perto de janelas de quartos. Durante o dia, essa planta fecha suas flores, que só abrem à noite. Um cacho de suas flores abertas é exibido na figura 3. As flores noturnas perdem quase todo o seu perfume durante o dia.

Fig. 3 – Dama-da-noite, um jasmim de perfume muito intenso. Foto: blog.giulianaflores.com.br

 

O principal pássaro polinizador é o beija-flor, que se alimenta quase que só de néctar. Há 322 espécies de beija flor e suas populações são abundantes. É um pássaro admiravelmente adaptado para a coleta de néctar. É muito leve, o que possibilitou o desenvolvimento da capacidade de pairar no ar enquanto colhe o néctar. Desenvolveu também bicos longos e finos para alcançar o néctar mais facilmente. Já as flores polinizadas pelo beija-flor, se adaptaram desenvolvendo formas tubulares para evitar a pilhagem, ou seja, a coleta de néctar sem polinização. Mas a pilhagem continua sendo realizada em flores grandes por beija-flores especialmente pequenos. Isso é uma má adaptação do beija -lor, pois o sucesso reprodutivo da planta o beneficia. Os beija-flores têm ótima visão, mas olfato pouco desenvolvido. Se você vir uma flor tubular, pouco perfumada e fortemente colorida, como a da figura 4, pode estar certo de que é especializada na polinização por beija flores.

 

Fig. 4 – Um exemplo de adaptação mútua entre flor e polinizador. Fonte: belasdicas.com

 

As gramíneas são polinizadas quase que unicamente pelo vento. Isso as dispensa de produzir quaisquer dos artifícios empregados para atrair insetos ou outros animais polinizadores. Suas flores são minúsculas, geralmente brancas e sem perfume.

 

ESTRATÉGIAS PARA A DISPERSÃO DE SEMENTES

 

Sementes espalhadas por animais que comem seus frutos

Muitas sementes ficam no interior de um fruto comestível por animais específicos. Esse fruto é um bônus oferecido para que o animal espalhe as sementes. Ele come o fruto e a semente, não digerível, é defecada em algum lugar afastado da planta mãe. Nesse processo, as plantas lançam mão de artifício muito eficaz. Enquanto a semente não está preparada para germinar quando em contato com o solo ou algum outro substrato, o fruto permanece “verde”. Tem coloração verde, para disfarçar-se entre as folhas. Prevendo o caso de mesmo assim ser descoberto, o fruto verde tem sabor desagradável aos animais que usualmente o comem: é ácido ou amargo e quase sempre adstringente. Ao amadurecer, o fruto adquire alguma cor bem distinta da folha. Além disso, torna-se adocicado e perfumado. Há frutos, como algumas variedades de abacate, a jaca e o kiwi, que não perdem a coloração verde ao amadurecer e apoiam-se unicamente no aroma para atrair animais. ­­­

Sementes espalhadas pelo próprio fruto – leguminosas

É comum que as sementes não fiquem no interior de frutos comestíveis. O principal caso é o das leguminosas, que constituem uma das maiores famílias botânicas. Nessas, o fruto é uma vagem que espontaneamente se abre quando a semente em seu interior está preparada para germinar. O feijão, a soja e a ervilha são exemplos de leguminosas, família que contém plantas herbáceas, arbustos e árvores. Ao amadurecer, o fruto de uma leguminosa torna-se duro e acumula uma força elástica, como a de uma mola. No final, abre-se de forma súbita atirando as sementes a distâncias que em geral ultrapassam o diâmetro da planta. Como a sibipiruna é uma árvore leguminosa muito apreciada para o paisagismo das cidades brasileiras, provavelmente o leitor já testemunhou o estalido de um fruto da árvore abrindo-se e espalhando algumas sementes no entorno da árvore. Na figura 5 o leitor poderá reconhecer a sibipiruna.

 

Fig. 5 – Árvore florida de sibipiruna e fruto aberto expondo as sementes. Fontes: árvore – souagro.com.br; fruto – timblindim.wordpress.com

Há várias leguminosas em que as sementes são aladas e se espalham por meio do vento e não por alguma propulsão da vagem. Esse é o caso de todas as espécies de ipês.

Existe um gênero de leguminosas (Inga) , que contém umas 300 espécies, que adota duas estratégias distintas para a dispersão de sementes. Estas não são dispersas no ato da abertura da vagem. São envolvidas por uma polpa branca e doce, muito apreciada por animais mamíferos, que engolem a semente dentro da polpa e a defecam em algum lugar. Os ingás também se apoiam na água para dispersar suas sementes. Costumam crescer à margem dos rios e o amadurecimento dos frutos coincide com a época das enchentes. As sementes flutuantes são dispersas pela enchente. Na figura 6 podemos ver a vagem e algumas sementes de uma espécie de ingá. O espalhamento de sementes, e até mesmo de plantas inteiras pela água é observado em diversas espécies além dos ingás. Um caso notável é o do coco da Bahia, que ocupa as margens dos oceanos e se apoia principalmente nas marés para espalhar seus frutos, que germinam sem se abrir. Frutos de coco – que germinam quando em contato com o solo úmido – são também espalhados por macacos. Algumas espécies de macacos têm o hábito de levar muitos cocos para algum lugar onde possam quebrar os frutos com pedras para comer a castanha. Alguns cocos acabam sobrando e germinando.

Fig. 6 – vagem e sementes de uma espécie de ingá. Fonte: Senado.gov.br

Sementes e frutos alados

Muitas sementes e mesmo alguns frutos são dotados de estruturas externas laminares, denominadas alas. Ao amadurecer e saltar-se das árvores, mesmo sob vento fraco, voam a distâncias que podem atingir uma centena de metros. Esse voo é promovido pela morfologia da semente e sua ala: a semente, bem mais pesada que a ala, fica mais abaixo na queda e faz a ala girar como uma hélice de helicóptero. A queda fica muito lenta e a hélice é levada pelo vento.

 

Fig. 7 – Exemplos de sementes aladas

A figura 7 exibe alguns exemplos de sementes aladas. Em alguns casos, como o visto no alto à direita, as sementes individuais e suas alas são minúsculas, e nesse caso o giro da ala nem sempre ocorre.

 

As painas

Anteriormente falamos das paineiras e mostramos a foto de uma paineira rosa. Resta falar sobre a paina, um mecanismo distinto de espalhar sementes. A paina da paineira rosa é exibida na figura 8.


Fig. 8 – paina da paineira rosa. Fonte: Arbocenter

A paina é um emaranhado de uma fibra frágil – o que a torna inútil para a produção de tecidos – e leve. Nesse emaranhado encontram-se as sementes minúsculas da paineira. Esse conjunto desenvolve-se no interior de um fruto que ao amadurecer se abre e cai, deixando a paina na árvore. O próprio vendo esfacela o floco de paina e carrega as partes a consideráveis distâncias.

 

Sementes espalhada nas penas de pássaros

Algumas sementes são espalhadas por pássaros que têm o hábito de comê-las. Ao comer sementes, eles também transportam outras que se prendem às suas penas. As sementes das gramíneas, família de plantas às quais pertentem as gramas, os capins e os cerais e que tem mais de 10 mil espécies, têm suas semente espalhadas pelo vento e principalmente pelos pássaros. Além de outros pássaros, como o bicudo, o curió e os canários, há um vasto grupo de pássaros conhecidos como papa capim, que vive principalmente de sementes de capim. O principal alimento dado aos pássaros comedores de sementes de capim por seus criadores é o alpiste, que na verdade é a semente de uma gramínea. A figura 9 exibe um papa capim fartando-se com um cacho de sementes de capim. Algumas sementes se prendem às penas a até mesmo aos pés do passarinho e são levados a locais distantes.

Fig. 9 – Papa capim comendo semente. Fonte: flickr.com

Alaor Chaves Written by:

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